[Febre das listas] Retrospectiva Literária 2017

10:04 Andrizy Bento 0 Comments

Chegou a hora de elencar as melhores leituras do ano que passou. Teve muita coisa boa dentre livros e quadrinhos que eu recomendo. Pra variar, eu li mais graphic novels do que qualquer outra coisa. Algo que, pelo visto, se repetirá em 2018. Mas chega de prosa. Aí vão as minhas leituras favoritas de 2017:


Primeira leitura do ano:
Perdidos na Tradução 
(Iuri Abreu)



De autoria do professor e tradutor Iuri Abreu, o livro faz um apanhado dos títulos nacionais de filmes estrangeiros, indo dos literais até os mais bizarros. A ideia é interessante, a arte da capa traz personagens memoráveis de títulos clássicos - o grafismo do título do livro remete logo a De Volta Para o Futuro - ainda conta com o prefácio do saudoso ator e, dizem, crítico de cinema José Wilker e trata-se de uma leitura leve e descompromissada que não te toma mais do que duas horas. O demérito fica por conta do tom engraçadinho e irônico do autor que, por vezes funciona, outras vezes não, soando forçado tal qual alguns títulos nacionais de filmes estrangeiros que abusaram da criatividade. Também depõe contra ele a falta de acuro na pesquisa, vários erros e falta de maior apuração das informações.

Um livro/HQ do meu autor favorito:
Os Livros da Magia 
(Neil Gaiman)


Finalmente parei para ler (e reler) essa clássica minissérie assinada por Neil Gaiman e publicada pela DC Comics no início da década de 90. Os Livros da Magia apresenta Timothy Hunter, um garoto de treze anos que tem o dom da magia, embora não creia nela de fato. Ao lado de John Constantine, Mister Io, Doutor Oculto e Senhor Estranho, que compõem a Brigada dos Encapuzados, Tim parte para uma jornada de iniciação, dando um mergulho no universo da magia, acompanhando sua evolução através das mais distintas e distantes eras, em uma combinação perfeita de mistério, fantasia, suspense e filosofia. Além da narrativa de Gaiman, a arte de John Bolton, Scott Hampton, Charles Vess e Paul Johnson, com traços expressivos e característicos de cada artista, luzes e sombras bem definidas e um trabalho singular com a cartela de cores, só corroboram a construção precisa de um universo místico tão instigante, lúdico e envolvente quanto aterrador. Vale a pena ter na estante.

Y: The Last Man
(Brian K. Vaughan)



Outro dos meus autores favoritos, Brian K. Vaughan, hoje aclamado, lançou pelo selo Vertigo, em 2002, a brilhante série Y: The Last Man que narra as consequências de um evento de proporções globais: todos os seres do planeta com cromossomo Y morreram simultânea e espontaneamente. Os únicos sobreviventes do chamado gênerocídio são Yorick Brown e seu macaquinho de estimação, Ampersand. Tão misteriosa quanto a morte de todos os homens da Terra é a sobrevivência dos dois personagens. Em sua jornada em busca de desvendar o enigma e descobrir o objetivo por trás da calamidade que poupou sua vida e a de Ampersand, Yorick atravessa maus bocados e enfrenta até mesmo ameaças, sequestros e atentados em um mundo agora habitado somente por mulheres.

Um livro/HQ do meu gênero favorito:
Saga
(Brian K. Vaughan)


Outra das obras de Vaughan que ganhou destaque na minha cabeceira, Saga é uma space opera refinada, de conteúdo adulto, ilustrada por Fiona Staples, publicada pela Image Comics e vencedora de inúmeros prêmios Eisner, Harvey e Hugo. A narrativa se desenrola a partir da união proibida entre membros de duas raças alienígenas rivais. Com uma ambientação distinta e visualmente rica, o universo de Saga é bizarro e sensacional, repleto de personagens carismáticos e sem medo de ousar, seja em sua linguagem ou no grafismo. Para variar, quando se trata de Vaughan, a obra é inteligente em sua abordagem de temas políticos, sociais, morais e filosóficos, sempre recorrendo à alegorias certeiras.

Morte Branca
(Má Matiazi)



Além de sci-fi, outro gênero de livros e quadrinhos que ocupa um lugar especial no meu coração é o terror. Eu comprei Morte Branca diretamente com a autora, Má Matiazi, em seu estande na Bienal de Quadrinhos 2016. Uma grata surpresa. Excelente arte e um arco narrativo bem fechado e envolvente. Lindíssima composição de um universo sombrio, sofisticado no uso das tonalidades e com traços de muita expressão, Matiazi captura a atenção do leitor de imediato com a lenda que percorre os grandes salões de Elion; de que uma fantasmagórica figura e seus três tigres brancos assombram os oceanos.

Um livro/HQ com meu personagem favorito
Donnie Darko – Roteiro Original 



Um dos livros mais lindos que eu tenho em minha coleção, com hard cover e, de bônus, um marcador de páginas em formato de avião, um dos símbolos máximos do filme. Não traz apenas o tratamento final do roteiro na íntegra, mas também a entrevista do diretor Richard Kelly que é bastante reveladora e auxilia ainda mais na compreensão da história. Além disso, descobrimos que Kelly possui um excelente repertório (fã de Stanley Kubrick, David Fincher, Stephen King, Graham Greene), e são referências perceptíveis na narrativa e visual de Donnie Darko. É interessante ver como os mestres de Kelly serviram de influência para sua obra. Várias teorias sobre Donnie Darko pipocam pela internet há anos. A minha favorita sempre foi a do looping (que foi a que passou pela minha cabeça na primeira vez em que vi o filme), mas a teoria oficial é a do Universo Tangente. No entanto, como já foi colocado em artigos por aí, o Universo Tangente pode ser apenas uma metáfora e uma explicação mais religiosa e sobrenatural para o looping. Enfim, seja como for, para quem é fã do filme como eu, esta trata-se de uma leitura mais do que recomendada. A edição inclui o famoso livro “A Filosofia da Viagem no Tempo” de Roberta Sparrow (Vovó Morte) que você não leva nem cinco minutos para ler (e ele te ajuda a compreender muita coisa), algumas fotos do filme, a letra da canção The Killing Moon do Echo & The Bunnymen e o prefácio assinado por Jake Gyllenhaal, o próprio Darko. Edição maravilhosa, o que não é novidade, a cargo da DarkSide Books que sempre faz um trabalho primoroso com seus lançamentos. Lembro de comprar na pré-venda e não me decepcionar quando o livro finalmente chegou. Valeu a espera.

O livro/HQ mais decepcionante
Os Iconográfilos - Teorias, Colecionismo e Quadrinhos
(Agnelo Fedel)



O professor e pesquisador Agnelo Fedel apresenta uma visão acadêmica do colecionismo, aplicando as Teorias da Comunicação às histórias em quadrinhos. A linguagem hermética já era algo a se esperar de um trabalho com teor acadêmico. Acostumada à essas leituras por conta dos tempos de faculdade e pós, dificilmente iria reclamar do rigor do texto e de toda a sua base teórica. O que decepciona mesmo é a visão do colecionismo como sendo uma mera questão de status, de pertencimento a um grupo seleto ou uma muleta para suprir ausências e preencher lacunas na vida de um colecionador, como se este não tivesse prazeres de uma vida pessoal e social. O colecionador também é um fã que possui um enorme carinho pelo seu objeto de admiração e não apenas um maníaco sem vida ou um sujeito cheio de soberba a fim de ostentar.

Savage Things 
(Justin Jordan)




Parte de um conceito excelente: há 25 anos, crianças com potencial sociopata foram sequestradas por uma célula secreta do governo americano para servirem ao propósito de eliminar inimigos do estado. Porém, os jovens agentes do caos se mostram além de qualquer controle e cabe a mesma organização que os reuniu, exterminá-los. O plano fracassa e, agora, as outrora crianças, lançam mão de seu sadismo e potencial destrutivo a fim de disseminar o terror e o caos pelos Estados Unidos. Contar mais a respeito da HQ, é entregar peças fundamentais de sua trama de mão beijada. Savage Things é bem construída e com uma arte rica em detalhes. Mas peca justamente em seu último volume. É certo que ela não se aprofunda muito nos personagens ao longo de suas oito edições, mas o final é apressado, com acontecimentos atropelados e fecha uma história com grande potencial de maneira decepcionante. não fazendo justiça à qualidade das edições anteriores da obra. Uma pena, pois trata-se de um universo que valia a pena ser mais explorado.

O que posterguei e finalmente li
Vampiros em Nova York 
(Scott Westerfeld)



O bom humor é o traço característico da obra que satiriza de maneira tão inteligente quanto hilariante o funcionalismo público, a cultura pop e o mito dos vampiros. Além de utilizar sabiamente a teoria da evolução, proposta por Darwin na composição de sua mitologia. Não há nada de extremamente original, mas a narrativa é divertida e bem fundamentada. Do mesmo autor da série best-seller Feios, Scott Westerfeld intercala a trama com ótimas e bem-humoradas informações acerca de parasitas, dando uma aula de biologia com um viés cômico, destilando ironia.

A leitura mais envolvente
Blacksad
(Juan Díaz Canales)



O diferencial de Blacksad, que evita que ela esbarre em chavões narrativos, é exatamente reinventar o conceito tão saturado de animais antropomórficos das animações infantis e inseri-los em uma atmosfera noir. Os paralelos entre a vida selvagem e o caos urbano (quem nunca comparou a cidade grande a uma selva?) aliado a arte distinta e proeminente de Guarnido, com um traço rico em detalhes, fazem de Blacksad uma graphic novel soberba. Felizmente, a editora SESI-SP relançou a obra ano passado, fazendo com que ocupasse posições de destaque nas listas de melhores do ano de muitos sites e páginas nacionais dedicadas a HQs.

Mensagens Para Você - Cartas Inesquecíveis do Cinema
(Mariza Gualano)



Mensagens Para Você – Cartas Inesquecíveis do Cinema de Mariza Gualano é um livro que reúne algumas das cartas mais famosas, belas, alegres e tristes do cinema. A ideia do livro é muito bem sacada e a execução não decepciona. Tanto a seleção de cartas quando o projeto gráfico são de encher os olhos. Daqueles livros para se ler em uma tarde e manter na estante e no coração pelo resto da vida. 

A leitura mais tocante
Não Era Você Que Eu Esperava
(Fabien Toulmé)



Inteligente, bem-humorada e sensível, essa HQ autobiográfica narra o inesperado e indesejado encontro de um pai com sua filha portadora de síndrome de Down. Da rejeição inicial até a posterior aceitação e, por fim, o amor que cresce dia após dia pela recém-chegada especial em todos os sentidos. Não Era Você Que Eu Esperava mostra como a ignorância diante de uma deficiência pode se converter em aprendizado. O autor francês é honesto em seu relato, não omitindo sua decepção ao tomar conhecimento da trissomia de sua filha, o que apenas o torna humano e mostra que a garotinha tem um talento inegável para cativar sua admiração e seu coração. Interessante o trabalho cromático – as cores diversas servem tanto ao propósito de representar a passagem de tempo quanto para ilustrar o emocional do protagonista.

Personagem que me conquistou 
Harvey, Como Me Tornei Invisível
(Hervé Bouchard)




Essa sensível novela gráfica acompanha um garotinho muito imaginativo que, diante da dificuldade de compreender e aceitar a repentina morte do pai, se refugia em seu universo particular de fantasia. Ao encarar, pela primeira vez, a imagem do pai no caixão (após um instante de relutância), ele se sente sumir, desaparecer, tornar-se invisível tal qual seu herói Scott Carré, O Incrível Homem Que Encolheu, fica diminuto (aliás, excelente analogia). Em uma bela união de texto e ilustrações, e sem apelar para demagogias, Harvey – Como Me Tornei Invisível de autoria de Hervé Bouchard e Janice Nadeau, apresenta ao leitor uma irresistível atmosfera lúdica através dos olhos inocentes de seu protagonista, e nos faz confrontar novamente nossos próprios momentos de perda, luto e superação. Uma das minhas leituras favoritas do ano, merecidamente premiada.

Melhor leitura do ano
A Diferença Invisível
(Mademoiselle Caroline e Julie Dachez)


Aos 27 anos, a jovem Marguerite tem uma vida pacata e comum. Trabalha em uma grande empresa, mas o emprego pouco a satisfaz. Mora com o namorado e segue uma rotina que não muda. Seus hábitos são sempre os mesmos e até suas roupas são praticamente iguais. O barulho ao redor, a multidão, a ideia de socializar e de alterar alguma coisa em sua rotina não apenas a desgastam mental e fisicamente, como perturbam seu emocional. No meio da estrada, durante uma tentativa de viajar com o namorado, Marguerite sofre um breakdown, acreditando que não irá suportar a ideia de passar dois dias na casa de desconhecidos. Essa e outras situações a levam a procurar ajuda e quando descobre que é Asperger, sua vida muda completamente. Para melhor. Ela sente que, enfim, pode partir em busca de si mesma, interagir com outras pessoas que possuem Transtorno do Espectro Autista, aprender a lidar com as dificuldades que surgem em seu caminho diariamente e a conviver com suas diferenças de maneira pacífica e feliz. Afinal, ser diferente é legal.

A última leitura do ano
Paciência
(Daniel Clowes)




Um assassinato, uma inusitada viagem temporal e uma história de amor atípica. É isso que o leitor encontra em Paciência de Daniel Clowes. Após chegar em casa do trabalho e encontrar a esposa grávida assassinada, o fracassado protagonista é incriminado e preso. Tendo perdido as únicas coisas que valiam a pena em sua vida, mergulha em um mar sem fim de depressão até descobrir uma curiosa forma de voltar no tempo. O autor não se preocupa em explicar demais e nem assumir um viés científico que justifique a viagem temporal, se concentrando na história e nos personagens e, especialmente, na busca desenfreada por desvendar o mistério do assassinato da esposa, o que é uma alternativa acertada. Com um visual psicodélico, tomado por cores chapadas, de poucas nuances, que surgem em profusão aludindo a uma estética sessentista, e diálogos repletos de linguagem de baixo calão, Paciência foi a história em quadrinhos mais surpreendente do ano.

*Salut*

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